sábado, 7 de julho de 2012

À PRICURA DO PAI


Lindoval tinha doze anos quando encontrou o pai. Era um garoto moreno, de olhos pretos e tristes. Magro e alto. Os braços movimentavam-se sem parar, mesmo quando estava parado. Inquieto, parecia estar sempre procurando alguma coisa ou alguém.
 Te aquieta, minino ! —  A mãe zangava com ele constantemente. —  Vai estudar! Procura alguma coisa pra fazer.
Isto quando ele estava no barraco. Vivia com a mãe na favela. Freqüentava a escola do bairro e cabulava a maioria das aulas. Nos dias em que faltava à aula, saía à procura do pai. Saía  de manhã sem dizer à mãe aonde irá. Percorria as ruas do bairro, dirigia-se à garagem dos ônibus situada do outro lado do bairro, pegava carona, ia ao centro da cidade, zanzava sem parar.
Tinha apenas seis anos quando o pai, cobrador de ônibus, saiu de casa e não voltou mais. Sentiu a ausência dele desde o primeiro dia em que sumira. A falta do carinho daquele homem forte, que passava a mão na sua cabeça ao sair de casa, ou quando retornava, à noite, era uma dor que não passava.
 Mãe, quando é que o pai vai voltar?
Ela não sabia, por isso não respondia ao filho. Acabou por não perguntar mais. E quando deixou de perguntar, passou a procurar o pai.
Tornou-se figura conhecida na garagem dos ônibus da linha onde o pai trabalhava. Os empregados o trataram com carinho, a princípio.
 Olha, Val, seu pai vai voltar qualquer hora. Não fica triste não. Ele vai até trazer um presente pra você.
Aos dez anos, já tinha entendimento para pensar que o pai talvez tivesse morrido.
— Mãe, será que o pai morreu e ninguém ficou sabendo?
— Ara, Val, cala a boca. Ele ta bem vivo por aí. Qualquer dia aparece.
Na garagem, os colegas afirmaram:
— Não, Val, ele não morreu não. A gente fica sabendo de todos os desastres com os ônibus. Sabe quem ficou ferido e quem morreu.
O pouco que ele sabia era que, no dia do sumiço, o pai havia saído de casa para o trabalho e não apareceu  na garagem para pegar no serviço.
Val ficou obcecado. Andava quilômetros e quilômetros, ia de uma garagem de ônibus a  outra, perguntava, insistia.
Ficou afoito. Quando o primeiro ônibus saia da garagem, escondia-se no interior e viajava para o centro ou para outros bairros. Prestava atenção na movimentação dos veículos, saindo e chegando em horários diferentes. Um motorista, penalizado com o rapaz (aos doze anos era bem desenvolvido), ensinou-o a dirigir. Tudo muito escondido, é claro.
— Não vai falar pra ninguém, ta bom?  Se o chefe da garagem souber posso até perder o emprego.
— Ainda vou ser motorista de ônibus e vou achar meu pai. —  Prometia a si mesmo e ao amigo que o ensinava.
À medida que crescia, aumentava a ânsia de encontrar o pai. Começou a ver pessoas que pensava ser seu pai. Ficou obcecado. Por diversas vezes, ao abordar estranhos, na tentativa de perguntar, foi confundido com pivete e repelido com vigor.
— Sai, garoto, não te conheço.
Ou
— Fica longe ou chamo a polícia.

No domingo, 12 de agosto, dia dos pais (o que, para Val, nada significava), ele viu uma oportunidade. Chegou cedo à garagem, os ônibus já haviam saído. Alguns permaneciam encostados, vazios. Eram os reservas ou substitutos. Sem que ninguém se desse conta, entrou num desses carros e saiu da garagem, dirigindo. Rodou pela cidade por mais de duas horas e cerca de oitenta quilômetros. Perdeu-se no trânsito do centro.
Putz. Agora tou ferrado.
Vendo na sua frente um ônibus da mesma cor que o seu, pensou:
Vou atrás daquele ônibus, assim chego na garagem.
Uma freada brusca do veículo à frente e Val não conseguiu evitar a batida. Choque violento, pois os veículos trafegavam a boa velocidade. O corpo de Val foi jogado contra o vidro, por cima do volante da direção. O sangue brotou pelos cortes na cabeça e na face.
Populares acorreram ao local. Val foi retirado do veiculo e estendido na calçada. Estava semi-consciente. Via a movimentação das pessoas através de uma cortina rubra. Ouviu a sirene da ambulância se aproximando. Pessoas movimentando-se com rapidez. Uma padiola foi colocada ao seu lado. Dois homens de branco aproximaram-se e enfiaram as mãos por baixo de seu corpo. Val abriu os olhos e viu o rosto do homem que se abaixava para suspendê-lo.
É ele! É ele mesmo! —  pensou.
 Pai...papai... —  disse. E desmaiou.
O outro  enfermeiro escutou as palavras de Lourival e perguntou ao colega:
— O rapaz o chamou de pai? É seu filho?
— Qual...Nunca o vi. Deve ser por causa que hoje é o dia dos pais.

ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 24 de julho de 2008-
Conto # 505 da Série Milistórias – 754 palavras
Os contos da Série Milistórias são arquivados na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.